O professor,
mais um conto de Armindo Torres ...
mais um conto de Armindo Torres ...
Armindo Torres escreve
O PROFESSOR (conto ) ...
O PROFESSOR (conto ) ...
A
maioria dizia que ele era louco. Mas, para mim, o Professor era o seu próprio
pensamento: afigurava-se irreal. Beirando os sessenta anos, mais se assemelhava
a um personagem fictício saído de um livro. Nos anos setenta, quem se
hospedasse no Hotel Renascença, em Juiz de Fora, poderia vê-lo. Descendo a
escada. Porte digno. Feições respeitáveis. Traje indigno: sempre de terno, sujo, colarinho imundo.
Atitudes nem sempre veneráveis: misturava episódios de insensatez com momentos
de brilhantismo. Era a prova irrefutável do limite mínimo existente entre a
lucidez e a loucura. Dizia sempre : “A vida é uma mentira”. E afagava a barba
grisalha. Eu questionava : “Por que o senhor diz isso?” Respondia:” Porque a morte é que é real”. Eu
ficava sem entender nada. E ele remexia os olhos irrequietamente. E eles
brilhavam.
Certo
dia, chegaram uns norte-americanos. Nós na sala. Hóspedes e eu. O Professor
também. Vi quando Grampola os atendeu. A fala estranha. Eu mais próximo à
recepção. Nem a tevê desviou-me de entender o que Grampola não. Era inglês. O
embaraço. O atendente confuso. Coçando a cabeça. A caneta na mão. Sem saber o
que fazer. Os estrangeiros falando. Falando o quê? Não fora avisado. Enturnara minutos antes. Não sabia dos
gringos. Em princípio, o pânico. Depois, a lembrança. Fez, aos recém-chegados,
gestos universais de espera. E saiu da recepção. Todos vimos quando Grampola
atravessou a sala e se dirigiu ao professor. Cochichou. O velho levantou-se e
seguiu o recepcionista. Embasbacados, assistimos ao Professor entabular o maior papo com os
ianques. Fluentemente. Mais tarde, no restaurante do hotel, a conversa
prosseguiu, entre tomatoes e potatoes.
Às
vezes, lembrava Saint-Exupèry e dizia : “A vida é descobrir baobás. Aqueles do
Pequeno Príncipe. Tá lembrado?” E continuava: ”Está lá no livro : E um
baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca mais se livra dele. Na
vida temos que detectar tudo aquilo que nos atrapalha. Se não o fizermos,
jamais conseguiremos vencer as nossas
dificuldades e medos”.
Outras
vezes, falando de sexo: “O sexo ocupa a maior parte do tempo na cabeça das
pessoas: o que o torna a coisa mais importante desta nossa pseudovida. Mas
ninguém admite. Por pura hipocrisia”.
Era,
também, dado a versos. Mas ele não se revelava. Descobrimos por acaso. Um dia,
a arrumadeira encontrou no quarto dele, caído no assoalho, um pedaço de papel
que ao que tudo indicava era o trecho de um poema, certamente de sua autoria. O
Professor não estava no hotel. Havia saído, como sempre fazia, para um passeio
nas vizinhanças. E como a mulher não sabia ler, imaginando ser coisa importante,
mostrou o papel ao porteiro. E nele se lia: “Gostaria de chegar ao teu portão e
atiçar teus cães. Para saberes de mim”.
Confidenciou-me,
certa vez: “Estou com um namorada e tanto! Moça de boa família, estuda
Pedagogia na Universidade Federal, finíssima”. Fiquei sabendo depois. A tal
namorada era uma rameira que atuava na Praça da Estação, arrebanhando clientes.
Inclusive eu. Perguntei a ela sobre o Professor. Disse-me que ele não fazia
mais nada além de sexo oral.
De
uma outra vez informou-me: “Vou fundar a Ambe”. Indaguei-lhe o que era. E ele:
“ É a Associação Mundial dos Bons. A sigla é AMB, mas a pronúncia será: ambe. Você será o Presidente da Europa.
Ciclano, da Ásia. Beltrano, da Oceania...” E continuou citando nomes,
relacionando-os a todas as outras regiões do mundo. Mas foi categórico: ”Eu
serei o Presidente Mundial”. Criou, ainda, um gesto de saudação entre os
membros. Outro dia, eu vinha pela rua e, a certa distância, vi um antigo amigo
que participava das extravagâncias do Professor. E, de longe, ele me fez a
saudação, que consistia em erguer a mão fechada, com exceção do dedo mínimo, que
era apontado para o alto.
Mas
o que mais ele gostava de falar era: ”A vida é uma mentira. A morte é que é
real”. Eu tentava demovê-lo: ”Algumas pessoas acham, que somos imortais, que já
vivemos outras vidas, e vamos voltar em outras reencarnações”. A reação era
imediata: ”Conversa fiada. Você se lembra de outras vidas?” Eu lhe dizia que
não. E ele, enfático: “Eu também não. Ninguém se lembra. E se a gente não se
lembra, não existe para nós, certo? Portanto, pode acreditar, a vida é a
mentira de cada um”.
Grande
figura. Às vezes, incompreendido. Outras, admirado. Mas sempre polêmico. Uma
pessoa realmente interessantíssima. Hoje, da minha casa, avisto, num morro
distante, uma árvore, cuja aparência é bastante semelhante aos baobás que
ilustram a obra de Saint-Exupèry. E então me lembro do Professor, com saudade.
E não deixo de concordar: A vida é descobrir baobás.
- X X X -
- X X X -
A
carne, porém, inspirou-lhe algo: sexo. Mastigou-a e pensou em Maria Rita. Era
gostosa, muito gostosa.
O PRATO
FEITO
por Armindo Torres
Ali estava o prato, fumegante, bem à sua frente: arroz,
feijão, bife e jiló. (continua em SEXO RADIANTE )
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